O PROBLEMA NATALINO DO ALUGUEL

dezembro 24, 2017 at 6:35 pm 1 comentário

Naquele final de 2018, a família Malhard conheceu o desespero. Com dois meses de aluguel atrasado — e Seu Adeildo, proprietário da pequena casa, já fazendo ligações ameaçadoras — todos ali tremiam com a possibilidade de dormirem o réveillon debaixo da ponte mais próxima.

Seu Otávio, pai da família, anteriormente um orgulhoso funcionário do Supermercado Limeira & Irmãos, já amargava a sina de desempregado há nove meses. Ficava resmungando num canto:

— Se eu tivesse coragem, assaltava era um banco! Tem aquele ali, no outro bairro, o dos americanos, o Big Deal. Tenho até um colega, metido com a polícia, que me arranjaria um revólver, mas me cago de medo de me pegarem e me jogarem em algum presídio. Todo mundo sabe o que acontece na cadeia e, pelo amor de Deus, eu não tenho vocação pra gay, não!

Dona Carminha, mãe da família, vivia deprimida e estressada com a situação. Era fácil encontrá-la falando sozinha dentro de casa, em tom de quem dá palestra:

— Eu ainda dou pro gasto! Passei dos quarenta, mas ainda sou bonita, gostosa, e, se eu quisesse, saía por aí me prostituindo e, tenho certeza, não arrumava pouco dinheiro não: ia era ficar rica. Ah, se eu não fosse uma mulher assim tão correta, tão direita, tão fiel, tão cristã… Ai, meu Deus, porque me fez assim?

Então, olhava para a filha Cíntia, sentada na mesa, lendo uma dessas revistas de moda:

— Peraí, Cíntia, você já fez dezoito, semestre passado, e tenho orgulho de ter uma filha linda assim, bem que podia… Sabe como é… Para salvar essa família.

Cíntia, sem tirar os olhos da revista, resmungava:

— Deixa de história, mãe! Nem vem com essas conversas esquisitas: num quero saber de homem, não. Eu vou é ser freira!

Desesperada, Dona Carminha ainda olhava para o pequeno Marco, seu filho, que brincava com dois bonecos Max Steel, sentado num canto do chão da cozinha:

“Não dizem que tem um povo aí que compra criança pra vender a casais ricos que não têm filhos” — pensava Dona Carminha — “Será que pagam bem? Ah, se eu não fosse contra essas coisas! Eu até assinei abaixo-assinado na Internet protestando contra isso. Ai, meu Deus, por que me fez assim tão correta?”

Foi quando Vovô Ataíde entrou com um maço de dinheiro nas mãos: a quantia exata para colocar o aluguel em dia.

— Papai, pelo amor de Deus, não me diga que pegou isso com um agiota — quis saber Dona Carminha.

— Que nada, filha. Nessa crise, até agiota tá sem dinheiro — respondeu o velho Ataíde, enquanto tirava o boné e enxugava, com um lenço, o suor da testa — O Diabo tava lá naquele parquímetro da Avenida Oliveira Virtuísta comprando almas…

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Dueto Humano-Feérico Atualização de Fevereiro(1)

1 Comentário Add your own

  • 1. Edgley  |  dezembro 26, 2017 às 12:00 pm

    Que família hein?

    Responder

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